2010. A música eletrônica e o mundo percorrem um longo caminho. Tudo o que se precisa para uma boa balada hoje são um sistema de som potente, algum top DJ nas picapes e uma galera bonita e animada na pista, certo? “Peraí”, você pergunta, “mas e os drinks, e todas aquelas outras substâncias químicas potencializadoras da diversão?”. Hummm… eu mencionei que estávamos em 2010, não? Faz parte de uma nova concepção de mundo romper com antigos paradigmas, abrir a mente, blá blá blá. Talvez você estranhe está idéia a princípio, ou ainda não a tenha considerado com a devida atenção; provavelmente nunca a experimentou. Mas dê a ela uma chance… Tem bastante gente curtindo – ou seja, não é impossível. Um deles é Norman Cook (foto), conhecido popularmente pela alcunha de Fatboy Slim.
“Eu tive que aprender um novo método de vida que não envolvia álcool e drogas. Quando estou viajando e tocando, a diferença é incrível. Eu simplesmente vou para a cama depois do show. Agora, eu me lembro de tudo”, diz ele. Podemos dar crédito a Norman, que prestou tantos anos de serviço à boa música eletrônica e até pouco tempo atrás costumava tomar ‘”uma ou duas garrafas de vodka a cada noite que estivesse tocando”, e que agora já tem uma maratona completa no currículo (sim; 42 quilômetros, correndo). Não é preciso levar em conta a motivação que levou Norman a esta mudança de hábitos, tampouco fazer disto uma cruzada ou caça às bruxas. A idéia é apenas propor uma reflexão, uma transgressão saudável à associação vigente ‘balada-música alta-álcool-drugs’.
Antigamente, “it was all about music”; Derrick May que o diga. Tendo sido um dos criadores do techno de Detroit, nos idos de 1987, ao lado de Kevin Saunderson e Juan Atkins, o ‘Innovator’ ainda hoje fica perplexo com o rumo tomado pelo comportamento padrão na cena eletrônica: “Infelizmente, a maior parte da garotada nunca vai entender sobre o que a música era ou sobre o que poderia ser. Somente alguns de nós têm algum coração, alguma intenção real de fazer algo ou tentar fazer a diferença. Apenas alguns de nós entendem do que se trata. O resto destes caras surgiram do nada e não estão levando a cena a absolutamente lugar nenhum. E a cultura das drogas está acompanhando isto por que a maioria da garotada ai dançando esta música não entende como alguém curtiria este som sem tomar uma ‘bala’ para a música instantaneamente ficar legal.”
Mas mesmo descendo do Olimpo das cabines dos mega DJs e pioneiros da senda eletrônica, esta idéia vem ecoando em alguns corações e mente mais sintonizados das pistas. Talvez seja algum tipo de ‘maturidade’ adquirida após anos de boemia, ou pode ser que uma nova consciência esteja mesmo aflorando neste ritual tribal milenar que é o dancefloor. “Eu adoro sair, principalmente, pra curtir o som e deixar meu corpo falar a língua da música. Pra mim esse é o foco, e o resto é consequência".” diz Ricardo “Johnnie” Martins, 32. Ele é um destes baladeiros que tem naturalmente uma filosofia ‘Derrick May-feel the beat’ por trás – mas que também conta com a bagagem adquirida ao longo dos anos de atividade noturna para ampliar sua visão de mundo e seu auto-conhecimento. “Sempre achei que aquilo tudo era passageiro. Que fazia parte de um momento da vida. Chegou uma hora que meu corpo começou a rejeitar. Então achei que estava na hora de dar um ‘level up’ e abrir uma nova fase, mais saudável, mais lúcida e consciente”, declara. Mayara Beckhauser Amaral, 23, outra adepta das ‘noitadas sem aditivos’, já se acostumou com as reações cômicas, mista de incredulidade e admiração, de seus amigos e conhecidos: “As pessoas que não sabem e nem imaginam que não bebo. Quando descobrem, ficam abismadas e perguntam: ‘noooooosa, mas aquele dia você estava bêbada né?’, recordando alguma ocasião na qual fiquei até de manhã na balada, ou que dancei muito. Quando digo que não, sempre escuto: ‘ai…. queria ser assim’”, conta ela. Como bônus adicional, a memória, a atenção e a concentração ainda agradecem a ausência das substâncias corrosivas. “Pelo fato de estar sóbria sou capaz de lembrar a maioria da músicas que escuto num set que eu goste”, diz ela.
Mas qual é o segredo para se divertir sem os tradicionais alteradores de consciência? Seria algum super poder desconhecido?! ‘Atitude’ sempre funciona – por mais chavão e auto-ajuda barata que a expressão possa parecer. Mas é tão óbvia, justamente, por ser verdadeira. Raphael Cagnotto, 28, nos dá a sua receita de posicionamento eficaz: “Tenho amigos queridos que bebem e fumam; sempre saíamos juntos para a antiga Lov.e, ou a D-Edge, nos dias de hoje. Nem por isso eu sinto atração pelos hábitos deles. Por sinal, não foram poucos os que , depois de me observarem, como referência, pararam de beber, fumar ou usar drogas. Como me posiciono sem medo de parecer careta, todos sempre me respeitaram e me tiveram em alta conta”. Bem, se você quer ajudar a mudar o mundo, comece por você mesmo – pode acabar dando certo. “Volta e meia aparece alguém perguntando se tenho ‘bala’, porque estou o tempo todo dançando e bebendo água… (risos) Mas sempre tiro um sarro da situação”, diz Fernando Almeida, 20, que há sete anos só cai na night ‘mocido a água’. Ele aponta ainda uma expansão da sensibilidade percebida durante as baladas: “Hoje consigo literalmente sentir a vibe das festas, pois estou consciente o tempo todo.” Ricardo concorda: “Sinto que agora estou mais exigente com o tipo de som e o ambiente que cada balada apresenta, e escolho melhor que antes. Antes nada disso tinha importância”, conta ele. Realmente, quando se está numa boa festa, o excesso de estímulos para os sentidos é tão grande (o contato com muitas pessoas, a música alta, pulsante e hipnótica, as luzes coloridas, os perfumes, etc.), que pode terminar por provocar um tipo de hiperestesia – um intenso aguçante dos sentidos, acompanhado de uma saudável sensação de euforia, efeito da produção de determinados hormônios e neurotransmissores naturais do nosso próprio organismo. Uma verdadeira viagem consciente, cujo combústivel é a festa, a nave é o corpo e o piloto é a sua consciência. Será que você está pronto para embarcar?
Fonte: rcgomes
Por: Walter Cândido – Revista House Mag 21ª edição